quarta-feira, 3 de junho de 2015

Tabagismo intrauterino??

O tabagismo durante a gestação tem implicações que vão além dos prejuízos à saúde materna. Os malefícios sobre a saúde fetal são tantos, que justificam dizermos que o feto é um verdadeiro fumante ativo.
Efeitos sobre o feto podem ir desde baixo peso ao nascer, partos prematuros e até mortes perinatais. Contribui também para a síndrome da morte súbita do bebê, além de causar importantes alterações no desenvolvimento do sistema nervoso fetal. (LAMBERS, 1996).



O ideal é que a gestante nunca faça uso de cigarro, porém estudos mostram que em qualquer momento da gestação, o cessar da utilização de cigarro é benéfico para o bebê, principalmente no início da gestação. A interrupção em qualquer momento da gravidez, ou mesmo no pós-natal, tem significativo impacto na saúde da família. Em torno de 27% das crianças americanas são expostas ao tabagismo passivo em suas residências. A manutenção da abstinência no decorrer da gestação e no pós-parto tem papel fundamental na prevenção de doenças materno-infantis relacionadas ao tabaco.

Mas o que é tão tóxico no cigarro?
    
                  

No cigarro há várias substâncias tóxicas para o nosso organismo. Segundo o Ministério da Saúde, são mais de 4000 substâncias nocivas ao organismo humano. Seu principal componente tóxico é a Nicotina.
                               


A nicotina causa vasoconstricção dos vasos do útero e da placenta, reduzindo o fluxo sanguíneo e a oferta de oxigênio e nutrientes para o feto, podendo causar a insuficiência uteroplacentária. Ela tem sido indicada como o principal mecanismo responsável pelo retardo do crescimento fetal nas gestantes fumantes. A exposição pré e perinatal à nicotina tem sido relacionada a alterações da cognição, e do desenvolvimento psicomotor e sexual no jovem. Estes efeitos parecem ser secundários à neurotoxicidade da nicotina, que interage com os receptores nicotínicos colinérgicos em fase precoce e inadequada durante a gestação, prejudicando a neurogênese e a sinaptogênese. (SLOTKIN, 1998).
A síndrome da morte súbita do bebê tem mecanismos causais desconhecidos e provavelmente multifatoriais. O fumo durante a gravidez é reconhecidamente um elemento que eleva o risco de sua ocorrência. Uma das hipóteses para explicar essa relação é que a exposição prolongada da medula adrenal do feto à nicotina leva à perda de sua capacidade de responder reflexamente à hipóxia. Sendo assim, durante a apneia transitória ou obstrução das vias aéreas do recém-nato, não haveria liberação de catecolaminas para redistribuição do fluxo sanguíneo para o cérebro e coração e para a manutenção da frequência cardíaca durante a hipóxia.
Além disso, a exposição fetal aos compostos do tabaco compromete o crescimento dos pulmões e leva à redução das pequenas vias aéreas, implicando em alterações funcionais respiratórias na infância, que persistem ao longo da vida. O desenvolvimento pulmonar modificado pode estar associado ao aumento do risco futuro de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), câncer de pulmão e doenças cardiovasculares. A nicotina provoca alterações súbitas e momentâneas no aparelho cardiovascular da gestante, com elevação da frequência cardíaca e das pressões arteriais sistólicas e diastólicas. Essas mudanças são dose-dependentes e parecem não provocar repercussão clínica significativa materno-fetal. (ELLIOT, 2001).
Além da nicotina, podemos citar, principalmente, o monóxido de carbono. Gás venenoso produzido pela combustão incompleta de matéria orgânica. Embora existam outras fontes de exposição ao CO, como a poluição atmosférica, o fumo passivo, a produção endógena e a exposição ocupacional, nada se compara ao tabagismo ativo.
O CO liga-se à hemoglobina materna e fetal no sítio onde se deveria ligar o oxigênio, com afinidade 200 vezes maior que este. O produto dessa ligação é a carboxihemoglobina (COHb), que tem uma meia vida de eliminação de cinco a seis horas, com variação de concentração no sangue dos fumantes de 5% a 10%. A hemoglobina fetal tem uma ligação com o CO mais forte que a hemoglobina materna, resultando em níveis de COHb mais elevados na circulação fetal. As altas concentrações de COHb provocam hipóxia tecidual, estimulando a eritropoiese e causando uma elevação do hematócrito da gestante fumante e de seu feto. Isto implica em hiperviscosidade sanguínea, aumento do risco de infarto cerebral no neonato, e mau desempenho da placenta. O CO altera a curva de dissociação da oxihemoglobina, prejudicando a oxigenação dos tecidos. A hipóxia celular crônica é um dos fatores que podem explicar o retardo do crescimento fetal. No sistema nervoso do feto, o CO tem ação de uma potente toxina, e pode causar lesões neurológicas temporárias e/ou permanentes. No sistema cardiovascular, provoca elevação da frequência cardíaca e hipertrofia miocárdica.

Os malefícios do tabaco atingem não apenas a gestante, mas também o feto, o qual, ainda no útero, se torna um verdadeiro fumante ativo. Dados recentes da OMS revelam que a cada ano cerca de cinco milhões de pessoas morrem em todo o mundo pela ação do tabaco. Esses dados alarmantes mostram a necessidade de controle do tabagismo. Então, nada de fumar, valeu galera? De olho Bah hahaha!


Referências:
Lambers DS, Clark KE. The maternal and fetal physiologic effects of nicotine. Semin Perinatol 1996;20:115-26.
Youth tobacco surveillance - United States, 1998-1999. MMWR CDC Surveill Summ 2000;49:1-94.  
Slotkin TA. Fetal nicotine or cocaine exposure: which one is worse? J Pharmacol Exp Ther 1998;285:931-45.
Elliot JG, Carroll NG, James AL, Robinson PJ. Airway alveolar attachment points and exposure to cigarette smoke in utero. Am J Respir Crit Care Med 2003;167:45-9.

WHO. The tobacco atlas. Geneva; 2002. 

5 comentários:

  1. Excelente postagem! muito comum e preocupante o tabagismo durante a gravidez... Bom, além dos efeitos já citados do CO e da nicotina, o ácido cianídrico causa diminuição dos níveis de vitamina B12, interferindo na sua absorção. A deficiência de vitamina B12 está associada a parto prematuro, redução na eritropoiese e leucopoiese, levando à anemia, alterações do sistema nervoso e prejuízos no crescimento fetal, como já foi abordado no post. Acredita-se, ainda, que ocorra uma menor retenção de água no organismo materno, fazendo com que mãe e feto estejam mais sujeitos a desidratação.
    Até a próxima :)))

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    1. Grupo L
      Referência: http://core.ac.uk/download/pdf/25932778.pdf

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  2. Com base em artigo de revisão, há um possível efeito do fumo sobre a mortalidade precoce, mas o aumento do risco parece ser muito pequeno, assim, o controle do fumo durante a gestação não é uma medida prioritária para a redução da mortalidade de menores de cinco anos no Brasil. 1 - VICTORA, Cesar G.. Intervenções para reduzir a mortalidade infantil pré-escolar e materna no Brasil. Rev. bras. epidemiol., São Paulo , v. 4, n. 1, p. 3-69, Apr. 2001 . Available from . access on 14 June 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2001000100002

    Os danos do fumo durante a gestação, o aleitamento materno e o fumo passivo para a criança e toda a familia são bastante discutidos na literatura. Dado o potencial danoso do consumo de nicotina, as mães/gestantes/puérperas são questionadas quanto ao habito do fumo. os auto-relatos precisam ser confrontados para que os dados obtidos ganhem credibilidade. (2 - LEOPERCIO, Waldir; GIGLIOTTI, Analice. Tabagismo e suas peculiaridades durante a gestação: uma revisão crítica. J. bras. pneumol., São Paulo , v. 30, n. 2, p. 176-185, Apr. 2004 . Available from . access on 14 June 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132004000200016).

    A cotinina é geralmente determinada na urina, como amostra de escolha, por ser uma amostra biológica de fácil obtenção, baixa viscosidade e fácil manipulação quando comparada com o sangue e a saliva, sendo considerada uma amostra de coleta relativamente não invasiva e sem risco ocupacional a saúde, além das concentrações do analito nesse fluido serem maiores, em relação a outras matrizes, cerca de 80 a 90% da dose de nicotina absorvida pode ser quantificada na urina.
    Não há um valor de referência estabelecido para a cotinina em matrizes amostras biológicas, porém foi demonstrado que valores de cotinina urinária acima de 100 ng/mL indicam fumantes ativos. (3 - http://toxicologiaufsj.blogspot.com.br/2011/08/resumo-do-artigo-aspectos-analiticos-da.html)

    Por fim, de acordo com a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM 4.03.01.61-3), a COTININA é [S]-1-metil-5-[3-piridil]-2-pirrolidinona, tem fórmula molecular = C10H12N2O e massa molecular = 176,2178 g/mol. É um metabólito da Nicotina, que tem fórmula molecular = C10H14N2 e massa molecular = 162,2346 g/mol.

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  3. Grupo H
    Muito completo o post! Fizemos uma postagem no blog sobre o cigarro, vale dar uma olhada.
    Além dos riscos discutidos aqui para o feto, temos também a questão do fumo passivo para recém nascidos e crianças. Como o indivíduo inala as substâncias do cigarro igual o fumante e sendo as crianças tão suscetíveis, seu desenvolvimento fica prejudicado. O fato da mãe ser fumante também prejudica a criança no sentido desta ser privada da amamentação exclusiva, já que mães tabagistas tendem a ter mais dificuldade na produção de leite devido ao baixo nível de hidratação recorrente em fumantes.

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  4. Realmente, a postagem está muito informativa! Além dos muito bem explanados malefícios do monóxido de carbono e da nicotina, que reduzem a oxigenação do feto por diferentes mecanismos (diminuição da hemoglobina disponível para carregar oxigênio e vasoconstrição, respectivamente), o tabagismo também reduz em até 50% os níveis de ácido ascórbico (vitamina C) no líquido amniótico. Ele é imprescindível para a formação do colágeno que compõe a membrana aminiocoriônica. Somado ao fato de que o transporte de aminoácidos é prejudicado pela vasoconstrição causada pela nicotina, ocorre o mau desenvolvimento dessa membrana, que pode levar ao aborto.

    FONTE: http://www.scielo.br/pdf/jbpneu/v30n2/v30n2a16.pdf

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